Descrição
devires, belo horizonte, v. 12, n. 2, p. 01-168, jul/dez 2015 – issn: 1679-8503 (impressa) / 2179-6483 (eletrônica)
Sumário
Apresentação – Anita Leandro, César Guimarães e Julia Fagioli – p.06
Documentário e cinema de arquivo: memória histórica no cinema brasileiro
Re-missões de Mário de Andrade : o rumor da imagem evasiva – Carlos Adriano – p.12
Resistir à morte: a presentificação de João Pedro Teixeira no filme de Eduardo Coutinho – Cláudia Mesquita – p.38
Jânio a 24 Quadros e a montagem como farsa – Andréa França – p.52
A outra vida das imagens: as memórias de um Brasil invisível – Thaís Blank e Patrícia Machado – p.68
Só me interessa o que não é meu: filmes de montagem brasileiros como pensamento social sobre o Brasil – Isabel Castro – p.94
Di-Glauber: o documentário performativo e o trabalho do luto como afirmação da vida – Ismail Xavier – p.120
Fotograma comentado
História(s) do contato: Trilogia das Terras Altas (1983-1992) e Pirinop: meu primeiro contato (2007) – Clarisse Alvarenga – p.132
Fora-de-campo
O arquivo sob tensão: abundância, descontinuidades e desejo de memória – Renata Alencar e Carlos Henrique Falci – p.146
Normas de publicação – p.166
Apresentação
Anita Leandro
César Guimarães
Julia Fagioli
De acordo com o senso comum, o Brasil é um país sem memória. Uma longa tradição de queima de arquivos, que remonta à escravidão, caracteriza as elites brasileiras, sempre ocupadas com a interdição da memória histórica e o apagamento sistemático das provas de suas ignomínias. No que concerne a ditadura militar, por exemplo, apesar do grande volume e diversidade dos acervos existentes sobre o período, eles só se tornaram acessíveis aos historiadores depois de terem sido pilhados, retidos ou parcialmente destruídos. Parte importante da história do cinema nacional esvaiu-se em vinagre ao longo do século XX e as cinematecas existentes no país sobrevivem com dificuldades. A lei de depósito legal de cópias de filmes na Cinemateca Brasileira ainda se limita a obras financiadas com recursos públicos e a guarda da memória audiovisual da televisão ainda é majoritariamente controlada por grupos privados. Sem esse “lugar social de produção” que denominamos arquivo, nos termos de Michel De Certeau, não se pode escrever a história ou elaborar uma memória coletiva. Como, então, nesse cenário de insuficiência de arquivos que é o nosso, o documentário brasileiro pode intervir?
A partir de filmes brasileiros que retomam, de diferentes formas, as imagens do passado, o segundo volume do dossiê “Documentário e imagens de arquivo” da Devires relança, de um outro ponto de vista, numa escala nacional, o debate sobre a atividade mnêmica e historiográfica do cinema, problema já levantado no primeiro volume, no contexto mais amplo da produção internacional. Questões estéticas e políticas relacionadas ao tratamento cinematográfico das imagens já existentes são abordadas nos diversos artigos aqui reunidos, seja através do retorno a filmes conhecidos de Glauber Rocha, Eduardo Coutinho, Rogério Sganzerla ou Arthur Omar, seja por meio de obras mais raras, como as dos cineastas Luiz Alberto Sanz e Luiz Alberto Pereira, ou, ainda, levando-nos a descoberta de cineastas desconhecidos, como Arthur Pereira. As imagens retomadas pelos cineastas aqui presentes remetem a temas de inquietante atualidade, como o assassinato de líderes camponeses, o extermínio das populações indígenas e negras, e, é claro, o golpe militar de 1964 e seus desdobramentos. Além disso, esse volume traz comentários acerca de dois documentos importantes da história das imagens em movimento no Brasil: o enterro de Di Cavalcanti e um plano de menos de meio segundo de Mário de Andrade, uma imagem única. O levantamento aqui proposto dos usos de imagens existentes no documentário brasileiro é, como se vê, modesto, em relação ao volume de filmes nacionais que desenvolvem a prática da retomada. Esperamos, mesmo assim, contribuir para o aprofundamento da discussão teórica sobre o assunto e aguçar o interesse pelos arquivos brasileiros e pelas escritas da história no cinema nacional.