Revista Devires v.10 n.2 – Temática livre: documentário

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Descrição

devires, belo horizonte, v. 10, n. 2, p. 01-131, jul/dez 2013 – issn: 1679-8503

Sumário

Apresentação – César Guimarães – p.06

Temática Livre: documentário
Sobreviver com as imagens: o documentário, a vida e os modos de vida em risco – Amaranta Cesar – p.12
Três suposições sobre a adversidade no documentário – Marcelo Pedroso – p.24
A apropriação de repertórios como operação amorosa – Fábio Ramalho – p.42
O desvio pela ficção: contaminações no cinema brasileiro contemporâneo – Victor Guimarães – p.58
Fotograma comentado – Escrita e leitura do movimento no cinema de Aloysio Raulino – Glaura Cardoso Vale – p.78

Entrevista
As imagens silenciosas e os corpos em desajuste no cinema de Maria Augusta Ramos – Andréa França e José Carlos Avellar – p.88

Fora-de-campo
Ouvir o lugar, compreender o espaço, escutar a cena – Serge Cardinal – p.110
Normas de publicação – p.130

Apresentação

César Guimarães

Ao migrar para o Sistema Eletrônico de Editoração de Revistas (SEER), a Devires – Cinema e Humanidades inicia uma nova fase, tendo também renovado seu Conselho Editorial, que passou a contar com a participação ampliada e diversificada de pesquisadores do campo do cinema e da fotografia de diferentes universidades do país. Esse processo nos tomou tempo, mas também ensejou outras mudanças. Aproveitamos assim para variar a estratégia editorial que vínhamos adotando desde então – ao organizar dossiês em torno de questões específicas ou de autores escolhidos – e lançamos uma chamada para artigos de temática livre. Recebemos uma quantidade significativa de trabalhos que nos permitiu organizar dois números, um dedicado ao documentário, outro à ficção.

O vol. 10, n. 2, ao tratar de filmes orientados por diferentes preocupações e estilísticas, abordados também sob perspectivas variadas, demonstra o quanto o documentário se assume cada vez como forma aberta e mutante, que se vale de uma multiplicidade de recursos expressivos – em franco diálogo com a ficção – e pronto a enfrentar as forças com que o real o interpela e fustiga, seja no âmbito das existências subjetivas, seja na escala dos processos históricos e coletivos.

No artigo que abre esse número, “Sobreviver com as imagens: o documentário, a vida e os modos de vida em risco”, Amaranta César analisa dois filmes que, ao confrontarem as ameaças que atingem os sujeitos filmados – caso de Corumbiara (Vincent Carelli) e de Pi’õnhitsi, Mulheres Xavante sem nome (Divino Tserewahú e Tiago Campos Tôrres) – instituem gestos de resistência e salvam modos de vida indígena, fazendo valer a dimensão performativa das imagens e a sua potência em suscitar acontecimentos no mundo.

Em “Três suposições sobre a adversidade no documentário”, Marcelo Pedroso distingue três princípios que sustentam os filmes que se põem numa relação de conflito entre o realizador e os sujeitos filmados. Tomando como exemplo principal a obra de Michael Moore, Pedroso explana sobre a conciliação entre cumplicidade e adversidade, a dimensão ética daí derivada e a necessidade do reconhecimento mútuo do realizador e do sujeito filmado como adversários.

Fábio Ramalho, em “A apropriação de repertórios como operação amorosa”, detalha em filigrana o universo de citações e referências das canções interpretadas pela cantora e atriz Jeanne Balibar no documentário Ne change rien, de Pedro Costa. Ao se deter especialmente nas reverberações do verso de Gertrude Stein – “Rose is a rose is a rose is a rose”– , refrão de uma das canções, o autor mostra como a evocação da figura da amante traduz igualmente uma relação amorosa com o repertório das formas cinematográficas.

Victor Guimarães, em “O desvio pela ficção: contaminações no cinema brasileiro contemporâneo” extrai os traços mais significativos de um diversificado conjunto de filmes em um arco de experimentação e inventividade que inclui desde Jogo de cena, de Eduardo Coutinho, até A cidade é uma só?, de Adirley Queirós. Atento à diversidade estilística do conjunto, o autor sublinha as muitas maneiras de se promover o trânsito entre os regimes da ficção e do documentário.

A seção Fotograma Comentado é assinada por Glaura Cardoso. Em “Escrita e leitura do movimento no cinema de Aloysio Raulino”, a autora se detém em um plano de Inventário da rapina no qual o cineasta narra um episódio que, ao evocar o universo de Jorge Luis Borges, traduz , à maneira de um enigma, a relação entre a escrita do filme e seu atravessamento pelos personagens e espaços urbanos.

Maria Augusta Ramos, a cineasta que deixou seus estudos de música eletroacústica para se dedicar ao documentário, é entrevistada por Andrea França e José Carlos Avellar. Em uma conversa guiada pela atenção à especificidade dos recursos expressivos acionados pelo seu método de criação a realizadora fala, dentre outros assuntos, da importância de Bresson e Ozu em sua formação (dos quais herdou o rigor na composição dos plano e a economia narrativa), das passagens entre ator e personagem e da cumplicidade que mantém com os sujeitos filmados.

A seção Fora-de-campo, que fecha essa edição, traz um texto de Serge Cardinal, estudioso do som no cinema, traduzido por Cristiane da Silveira Lima. Em “Ouvir o lugar, compreender o espaço, escutar a cena”, o autor descreve como as ocorrências sonoras (tanto na qualidade acústica quanto na identidade da fonte sonora) conduzem à criação do espaço fílmico pelo espectador, que divide sua escuta entre a apreciação da dimensão qualitativa da matéria sonora e atividade cognitiva que lhe permite construir o quadro situacional da narrativa.

Enfim, sem perder o foco de suas preocupações teóricas e críticas, este número de temática livre permitiu à revista reunir um grupo de artigos que primam pela diversidade de suas abordagens e pela consistência de seus argumentos, o que vem inteiramente ao encontro do modo com que o cinema tanto guarda e reproduz suas formas estabelecidas, quanto as lança em movimentos de deslocamento e mudança.