Description
devires, belo horizonte, v. 8, n. 2, p. 1-156, jul/dez 2011 – issn: 2179-6483
Sumário
Apresentação – Cezar Migliorin e Roberta Veiga – p.04
Dossiê Cinema Brasileiro: Engajamentos no Presente I
Figuras do engajamento: o cinema recente brasileiro – Cezar Migliorin – p.12
A intermitência política do documentário: L.A.P.A entre o consenso e o dissenso – Victor Guimarães – p.28
Um drama documentário? – atualidade e história em A cidade é uma só? – Cláudia Mesquita – p.48
O discurso audiovisual outsider em Resgate Cultural – Ricardo César Campos Maia Júnior – p.70
Dispor e recompor: o documentário sob o gesto da montagem – Andréa França, Angeluccia Habert e Miguel Pereira – p.94
A Batalha do Passinho – o filme – Eliska Altmann – p.110
Fora-de-campo
Coutinho, leitor de Benjamin – Laécio Ricardo de Aquino Rodrigues – p.118
Risco e retórica das imagens de sofrimento – Paulo Vaz e Janine Cardoso – p.138
Normas de publicação – p.154
Pareceristas consultados – p.155
Apresentação
Cezar Migliorin
Roberta Veiga
Apresentar esse número passa pelo orgulho de termos conseguido reunir em dois volumes da Revista Devires uma ampla gama de textos e abordagens que tem a política com o cinema como questão central.
Para todos aqueles que vêm debatendo o cinema recente feito no Brasil, a percepção de que um desafio político atravessa uma grande quantidade de obras tem, há muito, estado presente, mas é com a materialidade dos artigos aqui reunidos que esse vigor se torna ainda mais evidente. Mas, como temos visto, é com o acento em uma política que se faz nos interstícios entre as formas de vida e os instrumentos do cinema que se constrói um amplo espectro de imagens inquietas com os modos de organização dos tempos e dos espaços onde as vidas acontecem. Eis uma dimensão estética inalienável do que veremos como interrogação política das reflexões aqui presentes. Nesse sentido, investimos nos artigos que na proximidade com as obras tracejaram narrativas e formas que expressavam potências criativas entre as vidas vividas, às quais o cinema se engajava, e as vidas inventadas com o cinema.
Abrimos esse primeiro volume com o artigo de Cezar Migliorin, coeditor desse número, em que são esboçadas quatro figuras em que se explicitam gestos cinematográficos no cinema recente brasileiro engajados no presente e em que múltiplas formas de vida se exprimem e se debatem com as mais diferentes formas de poder. A reflexão traça um largo, tanto quanto incompleto, panorama do cinema político feito no Brasil hoje.
No artigo O devir político do documentário: L.A.P.A entre o consenso e o dissenso, Victor Guimarães apresenta de forma consistente as noções de consenso e dissenso de Jacques Rancière para pensar as formas da política aparecer com o cinema, especificamente com o filme L.A.P.A., de Emílio Domingos e Cavi Borges. Cabe ao pesquisador neste artigo, uma atenção às formas, nem sempre evidentes, do filme esboçar uma presença política com aqueles que filma. Destacamos que esse trabalho com Rancière vem tendo especial relevância para muitos que trabalham a dimensão política do cinema contemporâneo, nesse sentido o caráter teórico desse artigo ganha singular importância.
Em Um drama documentário? Claudia Mesquita concentra- se no importante A cidade é uma só? de Adirley Queiroz. A pesquisadora traceja linhas de continuidade e ruptura com duas obras centrais da relação do cinema com a capital federal, Brasília, contradições de uma cidade nova (1967), de Joaquim Pedro de Andrade, e Conterrâneos Velhos de Guerra (1992), de Vladimir de Carvalho. A relação entre diferentes obras evidencia as modulações do cinema contemporâneo, sobretudo nas relações com estratégias dramáticas associadas às formas tradicionais do documentário.
No quarto artigo deste número, Ricardo Maia se concentra no filme Resgate Cultural, do grupo pernambucano Telephone Colorido. O curta metragem teve grande repercussão no início dos anos 2000 e aqui é retomado para pensar suas formas de operação crítica em relação a um certo estado da cultura local e nacional.
Dos mais relevantes debates recentes no campo do cinema tem sido em torno das formas da montagem retomar uma centralidade, para além dos debates entre bazanianos ou dialéticos. O artigo Dispor e recompor: o documentário sob o gesto da montagem, de Andréa França e Miguel Paiva se insere nesse debate refletindo sobre a singular produção do Globo Repórter dos anos 1970 e tendo o historiador da arte Georges Didi-Huberman como colaborador importante para a reflexão sobre a montagem como gesto com o qual se forja um conhecimento.
No tradicional fotograma comentado, a pesquisadora Eliska Altmann analisa o filme A Batalha do Passinho – o filme, também de Emílio Domingues, em que ele acompanha um dos maiores fenômenos culturais das periferias e favelas do Rio de Janeiro, o passinho, uma dança ligada ao universo do funk. Em seu texto, a pesquisadora se mostra atenta às potências e à violência que com o filme se revelam nas danças e no cotidiano de jovens cariocas.
Dois textos fecham esse número dentro da sessão Fora de Campo, que contempla artigos que nos parecem relevantes serem nesse momento publicados, mas que não fazem parte do recorte temático do número, apensar das conexões serem inevitáveis. Paulo Vaz e Janine Cardoso trabalham com diversos casos midiáticos em que as imagens dos sofredores fazem parte de uma retórica em que o risco pauta o presente pelo medo e pela desresponsabilização coletiva. No caso das reportagens do Jornal Nacional sobre a dengue, analisado no artigo, os autores esmiúçam um jornalismo que investe na indignação em relação àqueles eleitos como os culpados.
Centrado ainda em uma preocupação política, o artigo de Laércio Ricardo, Coutinho, leitor de Benjamin revisita quatro filmes da obra de Eduardo Coutinho atento aos modos como a oralidade instaura uma prática fabulatória em que a memória se faz presente para inscrever em seus tempos os sujeitos que narram e, para isso, recorre a uma matriz benjaminiana.
Em relação ao nosso tema central, acreditamos que o leitor tem em mãos um quadro significativo do que se produz hoje no Brasil em termos de cinema que articula estética e política, trazido por uma série de artigos que atentamente se dedicam a pensar escrituras cinematográfica em todo o engajamento que forjam com o presente que inventamos e sofremos. Que os artigos sejam vossos.